SÍNTESE E AVALIAÇÃO BIOLÓGICA DE DERIVADOS BENZIMIDAZOLIDRAZÔNICOS POTENCIALMENTE ATIVOS FRENTE A DOENÇA DE CHAGASvoltar para a edição atual

PEDRO MAYNART CORIOLANO DE MELO

Sob orientação de SAMIR D'AQUINO CARVALHO e EDSON FERREIRA DA SILVA
JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA A doença de Chagas (DCH), também conhecida como tripanossomíase americana, é uma doença tropical causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi (T. cruzi). Foi descoberta em 1909 pelo médico e pesquisador brasileiro Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, e possui como principais vetores insetos hematófagos do gênero Triatoma, conhecidos popularmente como “barbeiro”. A DCH é uma doença considerada negligenciada pela Organização mundial de saúde (OMS), tendo em vista principalmente o desinteresse da indústria farmacêutica pois acomete principalmente a população socioeconomicamente desfavorecida (FIOCRUZ, 2022; WHO, 2022a). A DCH é um grave problema de saúde pública global, sendo endêmica nos 21 países da américa Latina. A mesma acomete de 6 a 7 milhões de pessoas, colocando 75 milhões de pessoas em risco de contaminação, e levando a aproximadamente 10.000 mortes (WHO, 2022b). As formas de transmissão mais comuns ocorrem de forma vetorial, transfusão de sangue ou transplante de órgãos, por via oral, por via congênita ou mesmo ocasionado por acidente de laboratório (Góes Costa et al., 2017; De Oliveira; Soccol; Rogez, 2019). Em áreas endêmicas a infecção se dá principalmente de forma vetorial, em contrapartida nas não endêmicas prevalece as demais formas de contaminação. A doença apresenta-se em duas fases: aguda e crônica. A fase aguda é a fase inicial da doença que pode ser sintomática ou não. Já a fase crônica caracteriza-se por um estágio mais avançado da doença, podendo-se manifestar de forma cardíaca, digestiva, cardiodigestiva ou mesmo assintomática. O tratamento no Brasil para a DCH está restrito a utilização do fármaco Benznidazol (Bz), que além de apresentar baixa eficácia na fase crônica (10 - 20 %), apresenta diversos efeitos colaterais (Patterson; Wyllie, 2014; Ministério da Saúde, 2022). Mesmo após um século de sua descoberta, a DCH continua sendo uma importante causa de mortalidade e morbidade no Brasil. Em vista disso, a necessidade de busca por novas terapias antichagásicas é imprescindível (Ministério da Saúde, 2022). PLANEJAMENTO ESTRUTURAL DOS NOVOS DERIVADOS BENZIMIDAZOL-HIDRAZONAS (10 – 26) O núcleo benzimidazol vem sendo estudado por ser uma estrutura privilegiada de grande aplicação na química medicinal. Derivados benzimidazólicos são reportados na literatura apresentando um amplo espectro de atividade biológica como antiprotozoária, anticâncer, antiúlcera, antihistamínico, antimicrobiana, dentre outras (Beltran-Hortelano et al., 2020). Diversos estudos têm mostrado o núcleo benzimidazólico como um importante grupo farmacofórico frente ao T. cruzi (Figura 1) (De La Torre et al., 2017; Beltran-Hortelano, 2020). Ademais, derivados desse núcleo têm sido reportados na literatura como inibidores de enzimas importantes da via metabólica do parasito, como a cruzaína. Este núcleo é descrito na literatura como um inibidor não covalente de cruzaína em concentrações nanomolares e com atividade tripanocida (Santos et al., 2019). Um estudo realizado por McNamara et al. (2020) em parceria com a GlaxoSmithKline (GSK) realizou uma triagem de alto rendimento (HTS), do inglês “high throughput screening”, de diversos derivados benzimidazólicos. O derivado 6 apresentou-se como um hit nessa análise, com IC50 de 0,63 µM frente a forma amastigota de células hospedeiras de fibroblastos embrionários primários de camundongos (NIH-3T3) (Figura 2). Não menos importante, outro núcleo que tem sido de grande relevância no que tange o desenvolvimento de diversas moléculas bioativas é o grupo N-acilidrazona (NAH). Este núcleo possui promissora atividade farmacológica, dentre as quais pode-se citar anticâncer, antiviral, antifúngica, antituberculose antimicrobiana, anti-inflamatória, anticonvulsivante, anti-HIV, antioxidante, analgésica e antiprotozoária (Sharma et al., 2020). Existem na literatura diversos trabalhos os quais reportam a promissora atividade de N-acilidrazonas com atividade frente a T. cruzi (RODRIGUES et al., 2002; Carvalho et al., 2004; Carvalho et al., 2012; Hernández et al., 2013; Poletto et al., 2020; Rosas-Jimenez et al., 2021). Baseado no trabalho de Rodrigues e colaboradores (2002) foram realizadas simplificações moleculares e com a ajuda do programa DOCK (DOCK V 3.5) permitiu-se identificar uma família de N-acilidrazonas como potentes inibidores de cruzaína. Dentre estes, o composto 7 contendo tienil-pirazol como substituinte, exibiu melhor perfil de inibição enzimática com IC50 de 0,2 µM (Figura 3) (Rodrigues et al., 2002). Figura 3 Estrutura química do derivado N-acilidrazona tienil-pirazol ativo frente a cruzaína Baseado no trabalho desenvolvido por Carvalho e colaboradores em 2012 no qual foram sintetizadas e testadas uma série de hidrazonas com atividade antichagásica, destacou-se o derivado (8) que demonstrou, no ensaio “in vitro,” IC50 = 5,9 µM. Após alguns anos, Capelini e colaboradores (2021), obtiveram um conjunto de fenoxiacetoidrazonas, dentre as quais o derivado (9) ganhou destaque com atividade promissora frente a forma amastigota e tripomastigota do protozoário (IC50 = 40 nM). Cabe ressaltar que este derivado (9) se apresentou 37 vezes mais ativo que o benznidazol (IC50 = 1,5 µM). Dessa maneira, evidencia-se a potencialidade do grupo N-acilidrazona na atividade tripanocida in vitro (Figura 4). Figura 4 NAH ativas frente a T. cruzi sintetizada por nosso grupo de pesquisa Nesse sentido, com o intuito de potencializar a atividade, englobando não apenas grupos com atividade tripanocida, mas também com inibição frente a cruzaína aplicou-se a técnica de hibridação molecular. Assim sendo, empregando a hibridação molecular entre os dois potentes inibidores de cruzaína descritos, o benzimidazol (A) e o núcleo N-acilidrazona (B) (Figura 5), pretende-se potencializar o perfil de ação dos novos derivados propostos. Os dois agentes parasitários escolhidos para a realização da hibridação molecular foram os derivados 6, pela oferta da unidade farmacofórica benzimidazol (A) com IC50 de 0,63 µM frente a células (NIH-3T3) de T. cruzi, e 7 contendo o grupo farmacofórico hidrazona (B), com atividade de IC50 = 0,2 µM frente a cruzaína. A importância deste estudo se dá devido a cruzaína ser a enzima mais abundante presente no parasito e estar envolvida em todo seu ciclo biológico, se tornando um alvo molecular muito atrativo. A primeira série de compostos (Figura 6) será baseada em modificações moleculares na porção Het/Ar (10-26) com o intuito de avaliar como o efeito eletrônico e lipofílico dos substituintes pode influenciar o perfil antiparasitário desta nova série de N-acilidrazonas. Baseado no planejamento estrutural, e com o intuito de potencializar a atividade tripanocida a ser observada na triagem dos derivados 10-26 será proposta uma substituição no nitrogênio (NH) do anel benzimidazólico, haja vista a potencial atividade dos compostos 4 e 6. Essa substituição consistirá na troca do hidrogênio por diferentes grupos, a fim de observar se haverá ou não um efeito potencializador da atividade. Além disso, deve-se levar em conta que as propriedades farmacológicas, como a lipofilicidade, são importantíssimas para a fase crônica da DCH (Castelo-Branco, 2015; Ferreira et al., 2019). OBJETIVOS O presente projeto tem por objetivo geral sintetizar novos derivados híbridos a partir de grupos farmacofóricos bem definidos, os quais possam ser úteis na quimioterapia da doença de Chagas. a) Planejar uma série de benzimidazol-hidrazonas utilizando o conceito de hibridação molecular; b) Sintetizar 17 compostos desta nova família utilizando rotas sintéticas viáveis e caracterizá-los quanto às técnicas de espectrometria e espectroscopia; c) Avaliar a atividade tripanocida, “in vitro”, nas duas formas de relevância clínica: amastigotas e tripomastigotas, utilizando protocolos consolidados na literatura; d) Avaliar o perfil citotóxico das benzimidazol-hidrazonas; METODOLOGIA O intermediário benzimidazol metanóico (28) será obtido através da reação de substituição nucleofílica entre o-felilenodiamina (27) e ácido glicólico. O intermediário (28) será oxidado a ácido carboxílico (29) empregando como agente oxidante permanganato de potássio em meio básico. O derivado éster (30) será obtido através da reação do ácido (29) com cloreto de tionila, de modo a formar inicialmente um intermediário cloreto de acila. Este por sua vez, ao ser submetido a refluxo em etanol leva a uma reação de substituição nucleofílica conduzindo assim a formação do intermediário (30). Na etapa posterior, o benzimidazol carbohidrazida (31) será obtido através da substituição acíclica utilizando hidrato de hidrazina como nucleófilo. Por fim, os derivados benzimidazol carbohidrazonas (10 - 26) serão obtidos através da reação de adição à carbonila do benzimidazol carbohidrazida (31) aos respectivos aldeídos. PERSPECTIVAS Pretende-se sintetizar uma segunda série dos compostos com os melhores resultados na triagem da avaliação biológica da primeira série, realizando uma substituição no nitrogênio (NH) benzimidazólico por diferentes grupos químicos. Assim como avaliar a atividade tripanocida, “in vitro” e o perfil citotóxico dos novos derivados. 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Área de conhecimento (CNPq): Química Linha de pesquisa na FIOCRUZ: 26.3. Pesquisa e Desenvolvimento de fármacos sintéticos